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Fórum de Articulistas

A greve e o papel regulador da CIDE
Publicado em 29/05/2018 às 11h07
A greve dos caminhoneiros expôs contradições e uma flagrante falta de compreensão sobre questões fundamentais que afetam o mercado de combustíveis. É fundamental que a Petrobras continue praticando uma política que alinhe os preços dos derivados de petróleo nas refinarias à referência do mercado internacional. Assim deve ser se acreditamos que o mercado é o sistema mais eficiente de alocação de recursos. A manutenção desta política é essencial para que sejam atraídos investimentos, sem os quais corremos o risco de desabastecimento a medida em que a economia volte a crescer. É também necessário para que seja implementado o projeto de alienação parcial do parque de refino, hoje praticamente todo controlado pela estatal, e sejam atraídos investimentos adicionais paralisados há décadas. Não haverá quem invista na produção de combustíveis em geral com preços controlados abaixo da referência de mercado. O fato que a capacidade das refinarias está sendo temporariamente subutilizada em favor de importações reflete apenas uma condição conjuntural.

De outro lado, ficou evidente o anseio dos caminhoneiros por previsibilidade, ou maior estabilidade de preços. A motivação da greve esteve centrada no recente repasse ao preço do diesel dos aumentos observados no preço do petróleo e seus derivados no mercado externo, vitaminados pela desvalorização do real. A previsibilidade neste caso é relevante para que a negociação de fretes não fique descasada do principal custo de operação, que é o combustível. O desconforto e a greve advieram da insegurança de não poder repassar ao frete os frequentes aumentos no preço do combustível. Neste sentido, os grevistas contaram com o apoio de vários segmentos da população igualmente afetados por reajustes nos preços da gasolina e do GLP.

A questão é, portanto, como conciliar estas necessidades e anseios contraditórios. No mar de confusão que se instaurou, assistimos à repetição do proverbio onde falta pão, todo mundo grita, e ninguém tem razão. O fato de estarmos em ano de eleição majoritária elevou a discussão alguns decibéis acima.

A solução deste imbróglio está à mão, só é preciso compreende-la e administra-la de forma correta. A CIDE (contribuição de intervenção sobre o domínio econômico aplicada aos combustíveis) foi concebida para ser um tributo compensatório. Isto é, deveria servir como um amortecedor atenuando as variações de preço de derivados no mercado livre aos consumidores. A política de preço deveria focar na soma do preço de referência na refinaria mais a CIDE. Infelizmente, desde que foi criada em 2001 a CIDE nunca foi administrada da forma para a qual foi concebida, para ser um tributo regulador de preço. No período inicial de sua aplicação foi mantida com objetivo puramente arrecadatório, e durante o governo Dilma administrada de forma populista visando manter o preço ao consumidor artificialmente baixo por motivação eleitoreira. Desde então, a CIDE vem sendo mantida em nível muito baixo, de 10 centavos por litro na gasolina e 5 centavos por litro de diesel. E é por esse motivo que nos dias iniciais da greve, quando se resolveu zerar a CIDE descobriu-se que esta medida teria impacto muito pequeno no preço final. Daí a necessidade de reduzir também o PIS e Cofins sobre o diesel para atender o anseio dos caminhoneiros.

Caso a CIDE tivesse sido administrada da maneira como foi concebida, quando o preço dos derivados caiu entre 2015 e 2018 teria absorvido parte da queda criando um colchão para atenuar o impacto dos aumentos recentes do petróleo e derivados. Como não havia esse colchão, houve o desgaste até que se reduzisse um conjunto maior de tributos.

Ao invés de fazê-lo a fórceps, depois de uma extenuante greve com impactos sofridos pela população em vários níveis, a solução teria sido automática e sem traumatismos caso estivéssemos, como sociedade, administrando a CIDE como tributo compensatório e regulador de mercado.

Estabilidade de preço nas bombas e política fiscal reguladora de preços não é uma unanimidade internacional. Em vários países, consumidores ficam expostos às flutuações de preço do mercado, para mais ou para menos. A lição que se extrai da greve é que uma parcela grande de caminhoneiros e da sociedade deseja maior estabilidade nos preços observados nas bombas. No entanto, esse objetivo tem que ser atingido sem sufocar a Petrobras e outros agentes do mercado com uma política populista e artificial de preço -- sem que sejam comprometidos os fundamentais investimentos para que os combustíveis continuem disponíveis a esses mesmos consumidores e à sociedade. De outra forma, corremos o risco de desabastecimento gerado não por uma greve, mas por pura incapacidade do mercado atender a artificialismos de preço.
Plinio Nastari
Representante da Sociedade Civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética e Presidente da DATAGRO Consultoria
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