União Nacional da Bioenergia

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Opinião

Mercado luta para ficar acima dos 10 centavos
Publicado em 06/04/2020 às 09h18
O mercado futuro de açúcar em NY resiste bravamente e vai se preservando acima dos 10 centavos de dólar por libra-peso. Não sabemos se ele conseguirá seu propósito, pois a enxurrada de notícias ruins varre o mercado de açúcar continuamente, sem dar-lhe fôlego.

Os fundos não-indexados, para agravar, adicionaram mais vendas nos seus portfólios e devem estar cerca de 10,000 contratos vendidos fragilizando e arrastando o mercado para abaixo dos 10 centavos. O que segurou o mercado foi o twitter do presidente Trump durante a semana dizendo que havia conversado com o seu "amigo" príncipe saudita e esperava corte na produção de petróleo em 10 milhões de barris por dia. Pronto! Bastou para o petróleo subir. Se vai permanecer lá por muito tempo é o que veremos na semana que vem.

Já o açúcar em NY fechou nesta sexta-feira com o vencimento maio/2020 cotado a 10.35 centavos de dólar por libra-peso, equivalente a R$ 1,265 por tonelada FOB Santos, representando uma variação negativa semanal de 16.50 dólares por tonelada enquanto que em reais houve uma queda de apenas de R$ 35 em relação à sexta passada. O real continua derretendo.

Se uma usina fixar hoje seu açúcar de exportação para a safra 2020/2021 ponderando os contratos de NY que representam a safra e usando o NDF (Non-Deliverable Forward), um contrato a termo de moeda com liquidação financeira, a média daria R$ 1,300 por tonelada FOB Santos. Se for para 2021/2022 a média sobe para R$ 1,420 por tonelada. Isso nos dá razão de sobra para entender que o contrato futuro de açúcar em NY vai continuar pressionado enquanto estiver mostrando margens remuneradoras para as usinas, considerando que agora terão que produzir/vender/fixar mais açúcar contra a bolsa.

As duas maiores distribuidoras de combustíveis do país declararam Force Majeure nos contratos de fornecimento de etanol anidro e hidratado que firmaram com várias usinas. Se a situação parecia não ter como piorar para os produtores, com o colapso do preço do açúcar no mercado internacional seguido do derretimento do preço do petróleo, é melhor pensar novamente sobre o assunto. Nos 45 anos completados nesta semana atuando no mercado de commodities, confesso que é a primeira vez que observo uma situação dramática como essa. Como disse um prestigiado corretor em NY, conhecido por seu humor satírico, "dizem que é sempre mais escuro antes do amanhecer, mas parece que agora o mercado está precisando de uma lanterna".

As perguntas que todos fazemos, sem respostas, são várias. Quanto tempo o petróleo consegue ficar abaixo dos 30 dólares por barril? Quanto tempo conseguem resistir nos EUA as pequenas empresas ligadas ao setor de gás de xisto, cujo custo de produção é muito acima do mercado de petróleo? Quantos projetos de etanol de milho no Brasil terão que ser engavetados devido ao preço ridiculamente baixo do etanol de cana no mercado interno? São muitas variáveis que ao longo dos próximos meses, quando essa pandemia desejosamente for contida e o mundo voltar ao normal, poderão afetar a oferta de energia no longo prazo.

No entanto, esqueçamos o longo prazo, pois como disse Keynes, "lá, estaremos todos mortos". Mas, o cenário atual do mercado de energia não mais acende uma luz amarela chamando à atenção acerca da saúde de muitas usinas, mas sim um sinal vermelho piscando e ativando uma estridente sirene alertando que o ambiente hostil atual pode decretar -- ainda este ano - a morte de muitas usinas que já respiravam com a ajuda de aparelhos. Não seria de todo inesperado se até 5% de toda a cana a ser produzida/moída este ano deixasse de ser processada por absoluta falta de recursos financeiros de algumas já agonizantes empresas.

Em geral, todo início de safra é o momento de as usinas venderem o etanol produzido e amortizar as despesas decorrentes do plantio. O enxugamento da demanda de combustível devido ao isolamento social e a declaração de força maior nos contratos com as distribuidoras deverão compor um estrangulamento no fluxo de caixa sem precedentes. As renovações de linhas de crédito, agora ainda mais escasso, se ocorrerem, vão demandar mais garantias contratuais e cláusulas restritivas (covenants).

Acabamos de rodar um modelo que objetiva prever qual o mínimo de produção de açúcar que podemos esperar do Centro-Sul para a corrente safra 2020/2021. O modelo entrelaça diversas variáveis do mercado que afetam o processo de tomada de decisão, seja ela científica ou empírica, que determinam como as usinas podem eventualmente se comportar na escolha do mix de produção. As variáveis incluem as mais evidentes: preço do açúcar em NY, a taxa de câmbio, a cotação do petróleo, da gasolina, do hidratado, e outras menos óbvias como os descontos na comercialização do etanol devido às circunstâncias financeiras de cada usina, a margem pretendida pela usina, entre outros fatores.

Dividimos as usinas em três grandes categorias. A primeira é das usinas com baixo custo de produção, que possuem adequada gestão financeira, habilidade na gestão de risco e competência na negociação de contratos comerciais. A segunda é das usinas cujo custo de produção está na média do setor, tem uma gestão mediana tanto financeira como na de riscos e precisam ser ocasionalmente mais agressivas para colocar seu produto no mercado. A terceira e última categoria é composta por aquelas usinas cujo custo de produção está no último quartil, possuem uma gestão financeira debilitada e quase inexistente acesso à gestão de risco, além de ter que oferecer descontos mais atraentes para os compradores.

Dessa forma, pelo modelo, a Archer Consulting espera um mix de açúcar mínimo de 46.8%, o que deve elevar a produção de açúcar para a safra 2020/2021 para 35.8 milhões de toneladas de açúcar, um volume 35% superior ao da safra passada que foi de 26.5 milhões de toneladas de açúcar.

A dívida das usinas, segundo estimativa da Archer Consulting, no final de fevereiro de 2020, era de R$ 104,81 bilhões, pouco mais de 16.6% acima do mesmo valor do ano passado.

Nassim Taleb (autor do livro Cisne Negro) disse numa entrevista a uma emissora de TV nos EUA que o coronavirus não foi um evento imprevisível, condição para que seja chamado de cisne negro. "Eu fico irritado que as pessoas chamam essa pandemia de cisne negro. O que vimos foi um cisne branco, pois não há desculpas para que as grandes corporações e os governantes não se preparassem para esse tipo de evento visto que hoje viajamos muito mais e as pandemias vão ocorrer de maneira mais ampla".
Arnaldo Luiz Corrêa
Diretor da Archer Consulting
Fonte: Archer Consulting
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